Do Bolicho ao Shopping Center
Onde se compra? Onde se vende? Os nomes variam ao longo dos anos, e cada palavra empregada possui seu significado particular, seu colorido, sua objetividade. Desde bolicho, que era ao mesmo tempo bar, venda e tenda, local onde não só o comércio era realizado, mas verdadeiro centro de encontros, conversas, apostas e desavenças, até as lojas constituírem-se legalmente. Mas estas podem ser bazar, armazém, secos e molhados, empório, magazines, etc. A venda de verduras, peixes e bens perecíveis geralmente ocorre em feiras; em um local permanente, estas podem vir a constituir um mercado. O Mercado Público de Porto Alegre foi inaugurado oito anos antes da constituição da Junta Comercial, em 1869, e começou suas atividades no ano seguinte. Inicialmente o comércio era, na maior parte das vezes, localizado na própria casa do dono. Aos fundos do bolicho morava o proprietário com a família, cujos membros revezavam-se no atendimento aos fregueses. Nas cidades, eles eram confundidos com os armazéns de esquina. Ao crescer o negócio, os comerciantes mais bem sucedidos começam a construir casas de dois pisos, servindo o térreo para loja, e o andar de cima para moradia. Não existe, ainda, uma nítida diferença entre bairros residenciais e comerciais, como vai ocorrer no século 20, e que consagrará a separação entre o estabelecimento comercial e a residência.
Esta separação passa a exigir uma rede urbana de transportes permanente e ágil não só para permitir o acesso da população às compras, como também para permitir ao trabalhador deslocar-se para seu local de trabalho. Em 1872 foi fundada em Porto Alegre a Companhia Carris de Ferro Porto-Alegrense. A capital possuía menos de 50 mil habitantes e a primeira linha ligava o centro da cidade à capela do Menino Deus. O crescimento da urbanização, do consumo e das oportunidades de compra e venda ensejou vários fenômenos novos. As feiras e o mercado antecipavam a tendência de os vendedores aproximarem-se uns dos outros. O Mercado Público atrai estabelecimentos comerciais para o centro, enquanto que nos bairros permanecem os armazéns e chegam a surgir ruas comerciais. As firmas maiores passam a constituir departamentos especializados dentro de um mesmo estabelecimento comercial, nem sempre apostando na especialização.
Por outro lado, lojistas de ramos diferentes reúnem-se em um mesmo local, em espécies de condomínios, como em galerias, entre elas a Galeria Chaves, de Porto Alegre. Estas atraem clientes interessados nos mais diferentes artigos e em serviços especializados. Geralmente, permitindo a passagem entre duas ruas, as galerias, através de seus corredores centrais, consagram a ideia de atrair o maior número de pessoas para um mesmo local; suas vitrinas servem de propaganda e seu nome associa-se ao consumo de gabarito. Por isso, as galerias antecedem os Centros Comerciais e os Shoppings Centers. Estes, entretanto, trazem consigo uma exigência da sociedade do automóvel: o estacionamento.
O primeiro centro comercial da cidade de Porto Alegre, o João Pessoa, localizou-se ainda em região Central e foi inaugurado em 1970, com 40 vagas para estacionamento cobertas. Além de lojas, possui supermercado, lanchonetes, restaurantes e cinemas. Já o primeiro shopping, o Iguatemi, localizou-se em bairro mais distante – confirmando a influência do trânsito na localização – e foi inaugurado em 1983. Na década seguinte existiam mais 5 na capital e 3 no interior do Estado.
Mas a história do comércio pode ser reconstituída não apenas através das mudanças por que passaram os estabelecimentos comerciais ao longo do tempo, mas também pela propaganda e pelos artigos postos à venda. Quanto a estes, a Junta Comercial possui documentos imprescindíveis. Logo na primeira década, após a sua criação, os artigos mais citados eram a banha, a cerveja, os tecidos e os remédios. Estes incluíam principalmente os voltados a combater tosse, picaduras de aranha e de cobra, problemas estomacais, purgativos e femininos.
Estes possuíam suas marcas registradas e, não raro, identificavam em rótulos a própria pessoa que os produzia. A barreira de transporte favorecia a existência de uma indústria de bebidas bastante diversificada, destacadamente as cervejas, licores e refrescos não alcoólicos. Entretanto, a indústria do gênero alimentício continuava sendo a principal do Estado, a que mais contribuía em valor agregado e em mão de obra empregada. “Celeiro do Brasil”, o Rio Grande do Sul destacava-se no beneficiamento das matérias primas de origem animal, como é o caso da banha de porco e da manteiga.
Também o comércio de derivados de produtos agrícolas, como o trigo (farinhas e biscoitos, por exemplo) e conservas variadas, era bastante desenvolvido e, muitas vezes, de produção local, inclusive com exportação para outros estados do país. Com isso, não só se aproveitava a matéria prima local, mas também a proximidade com a Argentina, de onde, muitas vezes, a farinha de trigo era importada.
Na Junta Comercial os primeiros registros de jornais começam a aparecer ao final do século 19. Alguns destinam-se a colônias, como o L`Italiano, de 1895 e o Deutche Post, destinado à colônia alemã, de 1912. Em 1909, o Jornal do Comércio é registrado.
No final do século passado, destacam-se também registros vinculados ao saneamento básico e ao embelezamento das ruas, fruto da crescente urbanização. Desde 1898 aparecem marcas de ladrilho para calçamentos, vidros, tintas, cimento importado, cal virgem, telhas de zinco – mostrando nova etapa na área da construção civil, já que, até então, as construções tinham por base uma mistura de barro com conchas de mar moídas e óleo de baleia.
Cabe mencionar, dentre certos produtos interessantes, em 1891, os registros de uma marca de sabão dentifrício e da Água Gasosa Valery. Em 1896, fósforos; em 1900, tempero pronto; em 1901, pêssego em calda e “brinquedos pedagógicos”; em 1904, debulhadores de milho. Já em 1912 aparecem registros de lâmpadas elétricas, mudando a iluminação pública e das residências, e inaugurando novos hábitos e estilos de vida. Já eram idos os tempos do século 19, quando empresas charqueadoras, a maior parte de Pelotas, usavam escravos como parte de seu capital. Por exemplo, a empresa Azambuja & Cia, que em 1878 consta de seu processo de constituição que o escravo Luís valia 1 conto e 200 mil réis. No caso de dissolução, o sócio que entrou com o escravo o teria de volta pelo mesmo valor – desde que não houvesse danos físicos. No caso de torná-lo escravo particular, o mesmo valor deveria ser transferido à sociedade. Todos os detalhes foram pensados, como num contrato que se preza: na partilha, o valor do escravo deveria ser deduzido, em gado, do sócio que com ele ficasse. Mas nem tudo desapareceu: as lojas de preço único, como as atuais “1,99”, encontram similar em 1906 com o registro do “Bazar Original Preço Único”: tudo por 2 mil réis.
Vale mencionar, ainda, o ano do registro de algumas empresas comerciais que se tornaram tradicionais, incorporando-se à história do Estado.
• 1888 –Companhia de Carruagens Porto-Alegretense – Carris
• 1897 – Companhia Moinhos Rio-Grandense registra a marca de farinhas Especial Primor • 1897 - Blomberg & Cia registra a cevada que importava
• 1901 - Mercúrio registra tintas de escrever. • 1901 – Fábrica de Papéis Pedra Branca
• 1902 – Laboratório do Dr, Van Der Laan & Cia • 1903 – Oderich registra sua refinação de banha
• 1904 – Arrozina, farinha para lactentes
• 1908 – Steigleder
• 1913 – Bergamaschi, secos e molhados
• 1913 – Wallig, cofres e fogões
• 1915 – A.J. Renner, fábrica de tecidos
• 1916 – Casa Masson
• 1917 – Olina, digestivo
• 1918 – Confeitaria Pão de Açucar
• 1919 – Cia. De Fumos Santa Cruz
• 1919 – Eberle, metais
• 1920 – Fundição Berta
• 1921 – Empresa de Mudanças Camiza
• 1922 – Adubos Trevo
• 1922 – Gerdau, móveis
• 1922 – Ernesto Neugebauer, produtos farmacêuticos
• 1923 – Cine Teatro Carlos Gomes
• 1923 – Casa Pimenta Finalmente cabe mencionar que a Junta Comercial registra também parte da história bancária do Rio Grande do Sul, pois em seus arquivos estão registradas aberturas de casas bancárias, fusões, incorporações e dissoluções. Registram-se não só as agências de Porto Alegre, mas do interior, de bancos locais e de outros estados, principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro, mas também de Minas Gerais, Paraná e Bahia. E também bancos estrangeiros, como o Bank of London e o Banco Português do Brasil S.A.
Textos de Gentil Corazza e Pedro Cezar Dutra Fonseca.